Notas de um crime sem castigo


Tenho uma grande paixão por títulos dramáticos por isso na minha adolescência toda vez que eu entrava numa livraria eu morria de vontade de comprar todos os livros do Fiódor Dostoiévsk.  Mas esse texto merece todo o drama, afinal, ele circunda minhas agonias em relação ao desmatamento da Amazônia e de outros biomas brasileiros, a repetição de erros históricos e nossa apatia enquanto povo. 

Esses dias eu e minha companheira maratonamos Aruanas, série da plataforma Globoplay, com texto de Estela Renner e Marcos Nisti e direção  de Carlos Manga Jr., não é uma série longa, contém apenas uma temporada até então, e apenas 10 episódios. Com o tema: a luta pela preservação do meio ambiente, a série traz a tona uma verdade pouco noticiada nos grandes veículos de comunicação. 

Fazendo uma breve resumo sem spoliers, a série tem como protagonistas a jornalista Natalie (interpretada por Débora Falabella), a ativista Luiza (interpretada por Leandra Leal) e a advogada Verônica (interpretada por Taís Araujo), três amigas de infância que  fundaram a ONG Aruana. Além das três, também protagoniza a série a personagem  Clara (interpretada por Thainá Duarte).

Essas quatro personagens se juntam numa história de ação, aventura e mistério para enfrentar a mineradora KM após receberem uma denúncia de que a empresa é responsável pelo aumento de doenças neurológicas em uma cidade à margem da Floresta Amazônica. A maior parte da série se passa na cidade fictícia Cari, localizada no Amazonas e nessa pegada de série investigativa a trama vai se desenrolando tocando em diversos pontos para além da destruição do meio ambiente como, por exemplo, o genocídio dos povos originários, exploração sexual infantil e corrupção. 

Ano passado (2020) a série foi transmitida na TV aberta, num momento em que o assunto: devastação da Amazônia tem ocupado pouco espaço na imprensa e apesar de ter sido muito elogiada (e merece todos esses elogios) não despertou nenhum debate mais amplo. Só em junho a Amazônia teve o maior número de queimadas em 13 anos, e isso acontece em menos de um ano depois do “Dia do Fogo”que completou 1 ano no dia 10 de agosto (SEM NENHUM PRESO OU INDICIADO), lembrando que esse crime teve consequências tão graves que no dia 19 de agosto de 2019 o céu estava completamente cinza e o sol estava colorido de um vermelho opaco em algumas cidades do sul e sudeste do país devido às queimadas. 

Eu não sei qual palavra usar para descrever tamanha indignação e revolta, afinal além de termos de lidar com o desgoverno proposital e ausências de políticas públicas no âmbito federal em relação à Covid-19, presenciamos o total descaso com a pauta ambiental.


E toda vez que vejo notícias ou penso nesse assunto, lembro da fala do ministro Ricardo Salles (Meio Ambiente) no vídeo da reunião ministerial de 22 de abril defendendo que o governo deveria aproveitar a pandemia para promover a desregulamentação de mecanismos de proteção ambiental. Mesmo depois dessa atrocidade ter vindo a público, o Ministro continua no seu cargo, mostrando que o Governo Federal defende a pauta do desmatamento. 

O “ciclo do fim” já está bem desenhado, primeiro vem o desmatamento e em seguida o fogo, segundo os especialistas, os criminosos esperam a mata derrubada secar por alguns dias antes de incendiar.  Taroba Uru-Eu-Wau-Wau denuncia que a destruição da floresta é muito rápida. Segundo o cacique, depois de tirar a madeira, os criminosos queimam a área e jogam sementes de capim. Em seguida o capim vira pasto, de acordo com os dados da pesquisa da Unir,  o desmatamento ilegal serve para ampliar áreas de pastagem. Aos poucos, as pastagens têm se convertido em plantações, como de soja, afirma a pesquisadora Maria Madalena Cavalcante (DADOS TIRADOS DAS NOTÍCIAS DW).

E essa política de desmatamento não é invenção do desgoverno de Bolsonaro, pelo contrário, a Ditadura Militar começou a monitorar a Amazônia por satélite para poder destruí-la melhor nos anos 1970. Explicitamente a Ditadura Militar investiu, propagandeou e incentivou o desmatamento da  Amazônia para a formação de pastagem. 



Em 2020, mesmo em um Estado Democrático de Direito (pelo menos oficialmente) os militares voltaram a tomar conta da pasta, uma vez que técnicos de equipes de fiscalização ambiental estão sendo demitidos e em seus lugares estão assumindo um comando militar concentrado no Ministério da Defesa, e essa concentração de poder pelos militares enfraquece políticas para Amazônia e abre caminho para mais desmatamento e queimadas. Literalmente o Brazil está matando o Brasil.

Política ambiental e floresta de pé não é coisa só de ONG e indígenas, todos nós que respiramos temos direito “ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida” e essas palavras bonitas estão estampadas na nossa Constituição no art. 225 que ainda completa:  “impondo-se ao poder público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.”

A Constituição Cidadã agora mais do que nunca está parecendo conto de fadas dentro de um cenário político digno de filme de terror, saiu de cena o Drácula e agora estamos sendo desgovernados pela Mula sem cabeça. 

Texto de Aryelle Almeida


 EPISÓDIOS DA SÉRIE

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